Comentário

<em>Quatro pecados mortais</em>

Pedro Carvalho
Não resisto em voltar ao meu último artigo, até porque o Conselho Europeu de Salónica irá dar o amen às grandes orientações de política económica (e do emprego) da UE para 2003. E digo isto, não só pela dimensão da ofensiva de classe em curso, alicerçada ao nível europeu nestas orientações, contra os salários, o trabalho e as pensões, mas, também, pela dimensão da resposta dos trabalhadores, de que são exemplo as grandes lutas por toda a Europa.
A actual ofensiva não é em si nova, é uma consequência da consolidação, na última década, da resposta conservadora e neoliberal do capitalismo à crise estrutural que atravessa. Por isso mesmo, importa lembrar os «pecados mortais» que pavimentaram o caminho desta nova ofensiva e as responsabilidades da social-democracia neste processo.
Estamos hoje a viver em Portugal um forte período de regressão dos direitos dos trabalhadores, devido ao acentuar da política de direita do Governo PSD/CDS-PP. Esta ofensiva é comum a todos os governos da UE, independente da sua cor política - flexibilizar o mercado de trabalho e entregar aos privados os volumosos recursos financeiros dos sistemas de pensões nacionais - o que tem contado com a forte oposição dos trabalhadores. Aliás, basta analisar as «reformas» do chanceler alemão, Schroeder, assim como as recentes reformas do primeiro-ministro francês, Raffarin, apoiadas pelo primeiro-ministro britânico, Blair, para ver que seguem o mesmo rumo. Rumo definido na «Estratégia de Lisboa», um dos pecados mortais da social-democracia europeia.

A par e passo

A década de noventa ficará marcada pela consolidação da resposta do capitalismo à crise estrutural que atravessa. O desaparecimento do bloco socialista foi decisivo para esta nova aceleração da política de direita e para a ascensão da social-democracia, sobretudo na UE, onde, sozinha ou coligada, chegou ao governo de 13 dos 15 Estados-membros. Factos que conjugados com o reforço da integração europeia, potenciaram, ao nível das orientações económicas e do emprego, uma disseminação dos pressupostos de base da política de direita: a flexibilização dos salários e do mercado de trabalho e o ataque ao sector público, com a progressiva onda de liberalizações e privatizações.
O começo da década foi marcado a nível internacional pela queda do bloco socialista, a crise económica de 1991-1993 e a primeira guerra do golfo. A UE foi bastante atingida pela crise económica, com o crescimento do desemprego e o acentuar da instabilidade monetária. Foi neste contexto, que a UE deu um novo salto qualitativo com a aprovação do Tratado de Maastricht, que para além de acentuar o rumo federalista da integração europeia, com uma mais ampla transferência de competências para a UE e perda de soberania daí decorrente, propunha um novo passo na consolidação do mercado interno e da governação económica, com a instauração de uma União Económica e Monetária. O Tratado incluía os princípios da estabilidade dos preços e da consolidação fiscal, com o intuito de garantir ganhos de produtividade ao patronato para restabelecer as margens de lucro e trazer os mercados/serviços públicos para lógicas de rentabilização privada. Tudo sobre a batuta e o aplauso do patronato europeu, aliás sempre fiel engenheiro do processo de construção europeia, que em cada novo passo na via federal aprofunda a via neoliberal.

Os pecados

Este grande salto qualitativo, foi complementado, em 1997, com dois instrumentos a Estratégia Europeia de Emprego (EEE) e o Pacto de Estabilidade (PEC). A EEE apresentava o conceito de empregabilidade, pondo o ónus na oferta de trabalho e na desregulamentação do mercado de trabalho. Tudo era posto em causa desde a organização do trabalho, passando pela formação dos salários até aos vínculos laborais. O PEC, por seu lado, acentuava o princípio da consolidação fiscal, com intuito claro de promover a moderação salarial via funcionários públicos e promover a liberalização dos mercados/serviços públicos. Ao mesmo tempo, dava-se um rude golpe na tão apregoada solidariedade europeia, com a Agenda 2000, que punha em causa a coesão económica e social e hipotecava as negociações do futuro quadro financeiro de apoio após 2006, ao aceitar manter os recursos financeiros com a perspectiva de alargamento da UE.
Por último, em Março de 2000, durante a presidência portuguesa da UE, o Conselho Europeu de Lisboa dá um contributo decisivo, não só para reforçar o processo de integração económica, mas também, para solidificar a resposta do capitalismo europeu à crise. Com um novo objectivo estratégico, a «Estratégia de Lisboa» condensa o núcleo das propostas do patronato, onde liga as oportunidades de negócio decorrentes da liberalização e das novas tecnologias, com a existência de uma mão-de-obra flexível, móvel e barata e com a entrega à rentabilização privada dos recursos financeiros dos sistemas nacionais de pensões.
Quatro «pecados mortais», cujas orientações estratégicas abriram o caminho para a ofensiva de classe que se verifica na UE. Quatro pecados incentivados e aprovados num período no qual a social-democracia dominava a maioria dos governos da UE. Quatro pecados envoltos em muita demagogia e falsas dicotomias, mais facilmente vendidas aos trabalhadores pela social-democracia do que pela direita. Quatro pecados que em Portugal tiveram um protagonista - o Governo PS - que os aprovou e branqueou. Quatro pecados, que contaram com a firme oposição do PCP, sempre empenhado na defesa dos trabalhadores e de uma política de esquerda.


Mais artigos de: Europa

Constituição de um império

Com a entrada de dez estados candidatos, a União Europeia contará, já a partir de Maio do próximo ano, com 25 países e 450 milhões de habitantes. Mas a expansão europeísta irá continuar com a integração, a médio prazo, da Bulgária e da Roménia, podendo seguir-se os estados da ex-Jugoslávia, ou mesmo da própria Turquia. Numa perspectiva mais ou menos longínqua, há quem não exclua a hipótese de o colosso russo poder finalmente realizar a utopia de uma Europa unida, do Atlântico aos Urais (uma sondagem divulgada no domingo indicava que 73 por cento da população da Rússia é favorável à adesão à União Europeia).

Ajudas em risco

A Comissão Europeia quer eliminar o vínculo entre a produção e os pagamentos aos agricultores. O objectivo final é suprimir as subvenções agrícolas.

UE quer combater armas de destruição maciça

Os Quinze adoptaram na segunda-feira, 16, uma série de princípios para uma estratégia comum de luta contra a proliferação de armas de destruição maciça que admite o recurso à força e afirma o «papel central» da ONU.Reunidos em conselho ministerial no Luxemburgo, os chefes de diplomacia da União Europeia (UE) aprovaram...

Checos aprovam adesão

Com uma taxa de participação modesta (apenas 55,21 por cento dos inscritos foram às urnas), o referendo sobre o tratado de adesão da República Checa à União Europeia registou 77,33 por cento de votos favoráveis.O sufrágio, realizado no sábado, dia 14, foi a sétima consulta em países candidatos, depois de Malta,...